Paranaguá, cidade histórica e sede do maior porto graneleiro da América Latina, foi classificada como a pior cidade do Brasil para ser mulher. O levantamento, realizado pela organização Tewá 225 e divulgado no último sábado (8), Dia Internacional da Mulher, analisou 319 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes e concluiu que o município do litoral paranaense tem o pior desempenho nos indicadores de equidade de gênero.
O estudo, se baseou no Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC-BR 2024) e utilizou como referência os critérios do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 (ODS 5) da ONU, que trata da igualdade de gênero e empoderamento feminino. Foram considerados cinco fatores principais para a composição do ranking: taxa de feminicídio, desigualdade salarial entre homens e mulheres, participação feminina na política, percentual de jovens mulheres que não estudam nem trabalham (NENT) e a diferença percentual entre homens e mulheres nessa situação. Paranaguá ficou em último lugar, escancarando um cenário de vulnerabilidade social e econômica para as mulheres.
Segundo o levantamento, a cidade, cuja economia depende majoritariamente das operações portuárias e do agronegócio, apresenta um mercado de trabalho altamente excludente, onde as mulheres são minoria nos empregos formais e ocupam menos de 10% dos cargos de liderança. Além disso, a violência de gênero atinge níveis alarmantes, e a sub-representação feminina na política municipal impede avanços em políticas públicas voltadas para a equidade.
Violência de gênero: um sistema falho de proteção às mulheres
Os números revelam a gravidade do problema: 99% das cidades analisadas no estudo apresentam taxas de feminicídio acima de 3 a cada 100 mil mulheres, um índice considerado alarmante por organismos internacionais.
Em Paranaguá, o ciclo da violência de gênero se mantém em grande parte pela falta de políticas públicas eficazes e pelo déficit na rede de proteção às vítimas. Muitas mulheres enfrentam dificuldades para acessar delegacias especializadas, casas de acolhimento e suporte jurídico, o que as impede de denunciar agressões e buscar ajuda.
A interseccionalidade entre gênero e raça torna a situação ainda mais crítica. No Brasil, 63,6% das vítimas de violência doméstica e feminicídio são mulheres negras, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). A desigualdade racial aprofunda a vulnerabilidade social, dificultando ainda mais o acesso a oportunidades e à segurança.
Mulheres excluídas do mercado de trabalho em Paranaguá
A economia de Paranaguá gira em torno do setor portuário e do agronegócio, atividades que historicamente excluem as mulheres de cargos estratégicos e operacionais. Dados da Agência Porto (2023) mostram que as operações portuárias na cidade geram aproximadamente 44.257 empregos diretos e indiretos, mas a participação feminina nesse mercado ainda é inferior a 35,3%.
Além de serem minoria, as mulheres que conseguem um emprego formal em Paranaguá enfrentam salários mais baixos do que os homens que ocupam a mesma função, revela o estudo. Segundo o Sebrae (Datampe, 2023), essa disparidade salarial é um dos principais fatores que limitam a independência financeira das mulheres, tornando-as mais vulneráveis à violência doméstica e à exploração econômica.
Outro dado preocupante do estudo aponta que 26,6% das jovens mulheres de 15 a 24 anos em Paranaguá não estudam nem trabalham. O fenômeno das “nem-nem” reflete a ausência de políticas públicas voltadas para a inserção da mulher no mercado de trabalho e para o apoio à educação e capacitação profissional. A carga desproporcional de tarefas domésticas e responsabilidades com os filhos também contribui para esse cenário, já que muitas mulheres não têm creches acessíveis para deixar seus filhos e acabam afastadas do mercado.
Paranaguá e a baixa representatividade feminina na política
A ausência de mulheres nos espaços de poder também contribui para que a desigualdade de gênero permaneça um problema estrutural em Paranaguá. O estudo revelou que 96% dos municípios brasileiros ainda possuem menos de 30% de mulheres na câmara de vereadores, e Paranaguá está entre eles. Em 2024, apenas duas das 19 cadeiras do Legislativo municipal eram ocupadas por mulheres, o que representa 10% do total. Para 2025, houve um avanço tímido, com a eleição de três vereadoras, elevando a representatividade feminina para 15%. Apesar do crescimento, o número ainda está distante de uma composição mais equilibrada e justa.
Sem representatividade política, as mulheres enfrentam dificuldades para ver suas pautas transformadas em políticas públicas eficazes. O levantamento mostra que, por conta disso, questões como creches acessíveis, enfrentamento à violência doméstica, inserção no mercado de trabalho e programas de capacitação profissional não recebem a devida atenção das gestões municipais, perpetuando um ciclo de exclusão e vulnerabilidade.
A baixa presença feminina na política municipal também reflete um problema maior: a cultura política dominada por homens, que historicamente dificultam a ascensão de mulheres a cargos eletivos e de decisão.
Cidades do agronegócio e da Amazônia estão entre as piores para mulheres
Além de Paranaguá, outras cidades também se destacam negativamente no ranking. São Pedro da Aldeia (RJ) e Camaçari (BA) aparecem entre os municípios mais desafiadores para as mulheres, com altas taxas de feminicídio e baixa equidade econômica.
O estudo também apontou que 97% dos municípios da Amazônia apresentam condições extremamente desfavoráveis para a população feminina. A relação entre a dependência da economia agropecuária e a desigualdade de gênero se tornou evidente na pesquisa, que identificou um padrão de exclusão feminina em cidades onde a economia gira em torno do agronegócio.
Por outro lado, nenhuma cidade brasileira alcançou um nível satisfatório de igualdade de gênero. Entre as capitais, Brasília foi a única a obter um indicador médio (50 pontos), enquanto todas as demais registraram índices baixos ou muito baixos.
O que pode ser feito para mudar esse cenário?
Diante dos números alarmantes, especialistas apontam a necessidade de ações concretas para transformar a realidade das mulheres em Paranaguá e no Brasil. Luciana Sonck, coordenadora executiva do estudo, destaca que os dados devem servir como base para mudanças estruturais. “Os dados não devem ser apenas um diagnóstico, mas um chamado à ação para que gestores municipais implementem políticas públicas mais eficazes no combate às desigualdades de gênero”, diz.
Entre as principais medidas apontadas como urgentes estão:
Reforço na rede de proteção às vítimas de violência doméstica, com mais delegacias especializadas e suporte jurídico acessível;
Programas de incentivo à inserção feminina no mercado de trabalho, reduzindo a disparidade salarial e ampliando oportunidades em setores estratégicos;
Investimento na construção de creches e escolas em tempo integral, para permitir que mulheres possam trabalhar sem a sobrecarga do cuidado com os filhos;
Maior representatividade feminina na política municipal, com incentivos para candidaturas e cotas para mulheres em cargos de decisão.
Ela são mais da metade da população, mas as mais vulneráveis
No Brasil, as mulheres representam 51,5% da população, mas continuam a ocupar posições de maior vulnerabilidade social, econômica e política. Apesar dos avanços conquistados ao longo das últimas décadas, o cenário ainda é alarmante: em 2023, mais de 1,2 milhão de casos de violência contra mulheres foram registrados no país, incluindo feminicídios, agressões domésticas e violência sexual, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.