A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula os planos de saúde do país, abriu uma consulta pública que avalia, entre outras medidas, a criação de um selo de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica que tem como critério a realização de mamografias de rastreio na rede privada apenas a partir dos 50 anos. A faixa etária, no entanto, foi recebida com críticas das principais sociedades médicas sobre o tema, que indicam o exame a partir dos 40.
Não somos contra a criação de um selo de qualidade, pelo contrário, a ideia é boa. Contudo, a recomendação de rastreamento a partir dos 50 vai na direção contrária à recomendação da maior parte das entidades médicas do mundo e do Brasil, onde cerca de 40% dos diagnósticos de câncer de mama são abaixo dos 50 anos — diz Cícero Urban, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM).
Em nota, a agência afirma que a medida, caso aprovada, se trata de um critério para que planos recebam a certificação, ou seja,” não tem relação e não altera a cobertura assistencial garantida pelo Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS”. Por isso, afirma que o direito à mamografia para mulheres de qualquer idade, conforme indicação médica, será mantido.
— Porém, na prática, os planos de saúde podem começar a negar exames alegando que o “padrão ouro” da ANS é somente a partir dos 50 anos. Não acreditamos que a proposta não tenha consequências de glosas e eventualmente negativas pelas operadoras. O que seria a nosso ver um grande retrocesso e que pode alterar os bons resultados que temos visto no rastreamento da rede privada — afirma Urban.
ANS diz ainda que a proposta foi elaborada “conforme métrica utilizada pelo Instituto Nacional do Câncer/Ministério da Saúde, que preconiza que o rastreio do câncer deve ser direcionado às mulheres na faixa etária”. De fato, o programa de rastreamento para câncer de mama no Sistema Único de Saúde (SUS) indica os exames apenas a partir dos 50 anos, seguindo recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e do Inca.
No entanto, as sociedades médicas criticam também a faixa etária adotada no SUS, defendendo a redução para 40 anos na rede pública. As entidades citam a alta na incidência do câncer de mama entre mulheres mais jovens e lembram que, no ano passado, a Força-tarefa para Serviços Preventivos dos EUA passou a indicar a mamografia de rotina a partir dos 40.
Além da SBM, a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) e a Federação Brasileira de Associações de Ginecologistas e Obstetras (Febrasgo) também publicaram notas criticando a proposta da ANS. Nelas, destacam o dado de 40% dos diagnósticos abaixo dos 50 anos, e citam que 22% das mortes, que poderiam ser evitadas com diagnóstico e tratamento precoce, ocorrem na faixa etária.
Segundo dados do Ministério da Saúde, consultados pelo GLOBO via DataSUS, os casos de câncer de mama entre brasileiras abaixo de 50 anos de fato representaram 33,4% do total em 2023. Além disso, os diagnósticos entre 40 e 49 anos cresceram 63,2% em cinco anos, de 2018 a 2023.
A Femama argumenta que “o único benefício da alteração da diretriz proposta (pela ANS) com a certificação é a redução de custos com exames para as operadoras”, mas afirma que “os custos com diagnósticos avançados a longo prazo não estão sendo considerados”.
A SBM disse considerar que a medida “dificulta ainda mais o rastreamento do câncer de mama no País”. Já a Febrasgo destacou que não foi consultada pela ANS e disse que a proposta “representa um claro retrocesso ao programa de rastreamento do câncer de mama no Brasil”.
Do outro lado, a ANS defende que, além de não alterar o Rol, o processo de certificação de boas práticas é voluntário para as operadoras de saúde. A agência também reforçou que a faixa etária escolhida segue a orientação do Inca.
No ano passado, após uma reavaliação dos estudos disponíveis, o instituto manteve a indicação de rastreamento populacional – exames para mulheres saudáveis, sem sintomas, em busca de casos precoces – apenas a partir de 50 anos.
Isso porque, embora os casos estejam claramente em alta em mulheres mais jovens, o crescimento sozinho não é suficiente para alterar a recomendação geral. Segundo o órgão, são necessários estudos clínicos randomizados que avaliem o impacto das mamografias de rotina na nova faixa etária e indiquem resultados positivos e custo-efetivos para a implementação no SUS.
Sem esses dados, o Inca cita riscos como os de resultados falso-positivos que levem a biópsias desnecessárias, um sobrediagnóstico e tratamentos de casos em que não haveria necessidade. Além de poder gerar prejuízos ao sistema público de saúde.