O Movimento Humaniza Santa Catarina, o Centro de Direitos Humanos de Jaraguá do Sul (CDH/JS), a Regional do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte/SC) e o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Jaraguá do Sul e Região (Sinsep) foram acionados para apurar denúncia feita nas redes sociais pela coordenadora pedagógica da Escola Municipal São José, em Corupá, professora Ana Lúcia Siqueira, de que houve o descarte de aproximadamente 500 livros de literatura pertencentes ao acervo da Biblioteca da Escola Municipal Aluísio Carvalho de Oliveira, no mesmo município. A alegação: os livros continham conteúdos impróprios para os alunos do Ensino Fundamental 1 e 2 e “seriam incinerados”.
Na quinta-feira da semana passada (28 de novembro) a diretora da Escola São José foi até uma sala, que funcionava como depósito de móveis estragados, e juntamente com uma funcionária que abriu a sala bem como a coordenadora Maraísa que a acompanhava, se depararam com uns seis ou sete sacos de lixo fechados. Por curiosidade, abriram e depararam-se com livros de literatura com carimbos da biblioteca da escola Aluísio. Coletaram imagens e ao tomar ciência do que se tratava e do acervo constante nestes sacos, a coordenadora Ana Lucia pediu que a diretora solicitasse o acervo descartado ao secretário de educação, pois se tratava de obras literárias importantes que seriam muito uteis a escola São José. O secretário permitiu o resgate e demonstrou não saber desta possível incineração e nem deste descarte de livros. Porém, no dia seguinte (29 de novembro), após a denúncia feita pela professora Ana Lúcia, o secretário municipal de Educação, Joney Cícero Morozini, ordenou que todos os livros voltassem ao acervo da Biblioteca da Escola Aluísio Carvalho de Oliveira.
Ana Lúcia não sabe exatamente a quantidade de livros descartados, mas teve acesso – juntamente com outros professores da Escola onde trabalha – a cinco ou seis sacos de lixo cheios de livros em uma sala, no depósito da Prefeitura Municipal de Corupá, muitos deles, obras que ela própria tem em casa e costuma sugerir a suas filhas e, como professora, aos seus alunos. O argumento utilizado é de que se tratavam de obras inadequadas, que as crianças não deveriam ter acesso porque continham assuntos de cunho de gênero, sexual e pornográfico. No entanto, ao conhecer as obras descartadas, a professora ficou perplexa pelo tipo de material que estava sendo censurado e considerado inadequado aos alunos. Diz que gostaria muito que uma Bibliotecária analisasse cada livro para confirmar a ela onde está o “inadequado” das obras.
Ana Lúcia nos relata que há cerca de 40 dias uma assessora da Secretaria Municipal de Educação visitou a Escola São José para visitar as bibliotecas pois queriam executar o mesmo “projeto da escola Aluísio” que havia sido “incrível”. Este trabalho “seria coordenado por esta funcionária “estagiária” que acompanhava a assessora. “Tudo o que acontece na escola é de responsabilidade da gestão escolar, o que a estagiária fez ou deixou de fazer, o fez com aval ou comando da direção. Foi uma questão ideológica ou apenas incompetência, ao não conferir o que a funcionária fez. Quero acreditar que o grupo escolar não tinha conhecimento de que obras de tamanha qualidade, que deveriam ser descartadas e retornaram à Escola, possam ser consideradas inadequadas. Meu objetivo com a denúncia era resgatar esses livros, são livros maravilhosos, com os quais trabalho e trabalharei em sala de aula” e evitar que ações e crimes desta natureza voltem a ocorrer.
“De tudo isso, o que mais me doeu foi que havia outros crimes, além do descarte dos livros, caracterizando nitidamente preconceito, racismo, uma ideologia tão mesquinha que nem sei ao certo o adjetivo correto de usar. Me entristece, deu vontade de chorar quando vi livros que tratam de as africanidades serem retirados e censurados. Não consegui ficar quieta diante de tamanha crueldade”, resumiu a professora. Não por coincidência, grande parte dos livros descartados tratavam justamente de questão racial, em celebração ao Mês da Consciência Negra.
Muitos dos livros censurados foram solicitados ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) pelo próprio município, escolhidos pelos gestores escolares de várias administrações públicas anteriores. “Será que tantas gestões escolares erraram, não sabiam o que estavam fazendo?”, questiona a professora Ana Lúcia. “Quem somos nós para avaliar um livro? Livro não se transporta em sacos de lixo nem se deixa em um depósito qualquer”, desabafa. O Município de Corupá não tem Bibliotecária habilitada para fazer uma análise técnica e determinar o descarte de livros.
Pedagoga, professora concursada do município de Corupá há 22 anos, a professora Ana Lúcia Siqueira vem sofrendo pressão no Município, desde que tornou pública a sua denúncia. Ela considera muito grave o que aconteceu na Escola Aluísio Carvalho de Oliveira e espera que quem está envolvido nesse erro seja punido, inclusive quem é cúmplice, todos os profissionais coniventes com o que está acontecendo. “São absurdos de quem não conhece, de quem fala o que lhe foi vendido ou o que lhe é conveniente”, diz Ana Lúcia, indignada.
O assunto foi abordado durante sessão na Câmara de Vereadores de Corupá. Em anexo, falas de dois vereadores dando razão aos gestores que descartaram livros da Biblioteca da Escola Aluísio Carvalho de Oliveira e da ex-secretária Municipal de Educação e atual vereadora Bernadete Correa Hilbrecht, que fez uma defesa veemente em favor da denunciante, professora Ana Lúcia Siqueira; os sacos de lixo cheios de livros descartados; e vídeos dos livros, como “O Pequeno Príncipe”, “Diário de um Banana”, “O Gentileza gerou Gentileza, “A África meu pequeno Chaka”, “Bichos da África”, “Pequenas Guerreiras”, “Meu Avô Africano”, “Irakisu, o Menino Criador”, “Histórias de Ouvir da África Fabulosa”, “Bumba Meu Boi Bumbá” “Chapeuzinho Amarelo” (Ziraldo e Chico Buarque), dentre tantas outras publicações; e alguns livros “lacrados” nas páginas censuradas pela estagiária.